Trecho da Rodovia Régis Bittencourt ainda alagado na noite da quarta-feira (1º) — Foto: Reprodução/TV Globo
Apesar de ter investido R$ 1,72 bilhão em ações para prevenir enchentes em 2022, valor recorde em mais de uma década, o governo de São Paulo registrou o 12º ano consecutivo em que a verba anual utilizada para esta área foi inferior ao valor aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). É o que aponta levantamento feito pela GloboNews com base na Execução Orçamentária, disponibilizada pela Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento.
Várias regiões paulistas têm sido castigadas por fortes chuvas deste o início deste verão. Segundo balanço da Defesa Civil estadual, entre 1º dezembro de 2022 e esta terça-feira (31), 24 pessoas morreram e mais de 5.000 estão desalojadas no estado em razão de estragos provocados pelas chuvas.
Na altura de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, um trecho da rodovia Régis Bittencourt, denominação da BR-116, uma das principais do país, entre Curitiba (PR) e a capital paulista, alagou nesta quarta-feira (1º). Á agua acumulada cobriu parcialmente veículos na via, entre eles carros e até caminhões.
A Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento disponibiliza dados da execução orçamentária - tanto receita (arrecadação) quanto despesa (gasto) - de 2010 para cá. A atualização é feita até o dia anterior ao da consulta. Esta reportagem analisou os números da rubrica - item orçamentário - denominada Infraestrutura Hídrica e Combate a Enchentes de toda a série histórica. Ou seja, ao longo de 13 anos completos. Apenas em um deles (2010), ano eleitoral, o valor investido nesta área superou o total aprovado pelo Legislativo: foram gastos R$ 282,5 milhões ante uma verba prevista inicialmente de R$ 200,6 milhões. Os valores para consulta são totais (não atualizados pela inflação do período).
Para 2022, a verba aprovada para Infraestrutura Hídrica e Combate a Enchentes foi de R$ 1,99 bilhão. Até dezembro, o governo do estado investiu, ou seja, gastou, de fato, R$ 1,72 bilhão. Isso quer dizer que pouco mais de R$ 271 milhões deixaram de ser investidos em ações como implantação de sistemas de drenagem, manutenção e construção de reservatórios de contenção e transferências de recursos a municípios no setor de recursos hídricos. Mas se comparado à execução deste orçamento em anos anteriores, o percentual utilizado do total aprovado foi mais alto: 86%.
Procurada, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse em nota que "o governo de SP realiza medidas complementares às municipais para auxiliar na drenagem urbana e combate às inundações. No último ano foi investido cerca de R$ 1,151 bilhão em ações e obras para combate a enchentes. Em 2023, o orçamento estimado é de aproximadamente de R$ 1,213 bilhão."
Enchentes levaram Capivari a estado de emergência entre o final de dezembro e janeiro — Foto: Prefeitura de Capivari
A Defesa Civil estadual também enviou nota: "Nos últimos 4 anos, a Defesa Civil do Estado de SP investiu cerca de R$ 109 milhões em obras de prevenção e recuperação de pontes, escadas hidráulicas e muros de contenção de encosta".
Para Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, é uma "falta de consideração" do governo não aplicar toda a verba prevista para evitar eventos recorrentes.
"Isso demonstra uma falta muito grande de atenção por parte do governo em relação a esses eventos climáticos. Não é de hoje que nós sofremos enchentes, alagamentos, inundações, deslizamentos de encostas em São Paulo, na região metropolitana e em diversos municípios. Essa situação vem se agravando com as mudanças climáticas e o que a gente vê por parte dos políticos é uma falta de consideração, uma falta de atenção, para esse tipo de evento. Ou seja, é um descaso muito grande para o que vem acontecendo ao longo dos últimos anos."
Segundo Côrtes, a falta de empenho em aprimorar as ações de combate às enchentes não se resume a uma determinada gestão de governo.
"Eu costumo dizer: 'você quer deixar um político apavadorado? Pergunta quais os planos que eles têm em relação aos eventos naturais extremos e às mudanças climáticas. Boa parte dos políticos sequer saberá sobre o que nós estamos falando. Há uma falta de conhecimento, há uma falta de atenção. E veja, eles têm totais condições de buscar informação qualificada, tem assessoria para isso. Mas, efetivamente, há um descaso, é uma desconsideração com o que vem acontecendo, não há outra explicação para isso. As verbas estão disponíveis, mas é um orçamento que não é executado e isso é muito difícil de entender diante, inclusive, das mortes que vem acontecendo face a esses eventos extremos."