As tensões pela possibilidade de um conflito na América do Sul cresceram após a Venezuela aprovar, em referendo no domingo (3), a proposta de seu governo para criar um novo estado em Essequibo, a região que engloba 70% do território da Guiana e é disputado pelos dois países.
Embora o Brasil considere o conflito pouco provável, as Forças Armadas já prepararam um cenário para essa possibilidade e aumentaram o nível de alerta na região, segundo relatou ao g1 uma fonte da Casa Civil do governo Lula. A presença de militares brasileiros nas duas fronteiras com a Venezuela e com a Guiana foi, inclusive, ampliada, com veículos blindados.
O que explica a movimentação brasileira: para que haja um eventual confronto por terra, seria preciso, necessariamente, que tropas venezuelanas passassem pelo norte de Roraima, que faz fronteira tanto com a Guiana quanto com a Venezuela (veja mapa abaixo).
Não há, ainda de acordo com a mesma fonte ouvida pelo g1, uma orientação do governo brasileiro para o início imediato de uma operação militar na fronteira com a Venezuela, mas um estado de alerta, e uma avaliação de que a diplomacia brasileira terá de aumentar o tom para intermediar a disputa —atualmente, há uma postura de não intervir na questão. (leia mais abaixo).
Por si só, o fato de o Brasil estar no caminho já dificulta uma eventual invasão por terra, dada a neutralidade brasileira na disputa e a improbabilidade de Maduro comprar briga com o presidente Lula a respeito do assunto.
Ainda assim, a incursão na Guiana teria que ser por meio de mata densa e fechada, o que inviabiliza o avanço das tropas. Uma opção seria pelo mar.
Todo esse cenário resulta em um custo político alto, na avaliação do professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra Ronaldo Carmona.
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Carmona disse achar também que o fator econômico está pesando no cálculo de risco do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, candidato à reeleição em 2024, quando o país realiza eleições gerais.
"Hoje, o objetivo principal do Maduro é a reeleição e, para lograr isso, ele precisa persistir no caminho da economia. Recentemente, os Estados Unidos levantaram sanções ao petróleo da Venezuela, e se espera uma recuperação econômica com isso. A guerra certamente faria os EUA levantarem essas sanções novamente", afirmou o professor ao g1.
Há ainda outro ponto de tensão com os EUA: Washington planeja instalar bases militares em Essequibo, e, na semana passada, enviou militares do alto escalão do Comando Sul das Forças Armadas à Guiana para debater a segurança do país. Ou seja, o país não estaria sozinho na disputa.
Ao podcast O Assunto, do g1, Oliver Stuenkel, professor da FGV-SP, disse acreditar que o risco de guerra é "bastante baixo".
Já para o professor de política internacional do Ibmec Tanguy Bagdhadhi, o fator da imprevisibilidade —segundo ele, um estilo de governo de Maduro— deixa o cenário incerto.
"Existe o risco (de um confronto), sim. Embora o referendo possa ter sido um elemento eleitoral, a imprevisibilidade de um governante de um líder com o Maduro é um fator importante. Ele é pouco transparente também - não há até agora uma divulgação muito clara do que ele pretende fazer com o resultado do referendo, por exemplo".
Venezuela aprova anexar Guiana — Foto: Reprodução
O que dizem os dois lados